Há muito vivemos em um ambiente marcado pela violência, situação que, infelizmente, as crianças não escapam. Apesar de todas as diretrizes constitucionais existentes e dos direitos assegurados no Estatuto da Criança e do Adolescente, assistimos a uma avalanche de demonstrações de barbárie que afetam a vida em seus vários estágios de desenvolvimento, acarretando prejuízos, por vezes, irreversíveis à sua saúde física, emocional e social.
Inúmeras situações de violência, praticadas dentro e fora do âmbito familiar, acompanham a vida das crianças: violência física, psicológica, sexual e negligência. Todas se compõem em graves infrações dos direitos humanos. Dentre elas, a violência sexual intrafamiliar é a que vem revestida de maior complexidade para a prevenção, o diagnostico e o tratamento.
O abuso sexual se caracteriza por todo jogo ou ato sexual, dentro de uma relação heterossexual ou homossexual, entre um ou mais indivíduos adultos e um indivíduo menor de 18 anos, cujo escopo é a estimulação sexual da vítima e sua utilização para obtenção da estimulação sexual do (s) abusador (es).Em outras palavras, pode ser definido como o envolvimento de crianças e adolescentes em atividades sexuais que não compreendem em sua totalidade e a falta de consentimento do menor na relação com o adulto. A vítima é forçada fisicamente ou coagida verbalmente a participar da relação, sem ter necessariamente capacidade emocional ou cognitiva para consentir ou julgar que está acontecendo.
Estatisticamente, a violência produzida não é proporcional à população empobrecida como muitos pensam, ela ocorre em todos os estratos sociais, não se limita a determinada etnia ou credo, independe de regimes políticos e econômicos, pode atingir infantes em todas as faixas etárias, dentro e fora do ambiente familiar e sua frequência é bem maior do que a estimada. Pois se a violência urbana é visível e francamente noticiada pelos meios de comunicação, a violência intrafamiliar mantém-se oculta pela lei do silêncio, sobretudo quando envolve questões de ordem sexual. Sabe-se que a maior parte dos abusos contra as crianças e adolescentes acontece no seio familiar de todas as famílias de todas as camadas sociais, e os agressores são, geralmente, o próprio pai ou o padrasto. O lar não é, portanto, sempre um lugar seguro para a criança crescer, por ser vulnerável pela sua própria condição de dependência e confiança no adulto. Na maioria das vezes, não é um fato isolado, que envolve somente o abusador e a criança ou adolescente violado. De forma direta ou indireta inclui outros membros da família, seja no ‘silêncio’, seja na participação ativa no abuso ou na organização dos papeis sexuais dentro do contexto familiar.
Como pode ser visto, a família ocupa posição significativa nos casos de violência sexual infantil, o que é relevante, pois este deveria desempenhar um papel de estrutura basilar de apoio psicológico e como sustentáculo moral e sócio-cultural do indivíduo que tem como liame precípuo o afeto, deveria ser o grupo social acolhedor e seguro, mas infelizmente passa a se constituir muitas vezes como um ambiente de terror e sofrimento. É ao mesmo tempo, considerada como um valor cardinal e condição essencial de felicidade, lugar de refúgio, de relaxamento, de segurança, propício do desabrochar pessoal, enquanto, ao mesmo tempo, as pesquisas criminológicas têm demonstrado, paralelamente, que ela pode ser o lugar de todas as violências e de todas as transgressões, citando incestos, maus-tratos, violências de todos os tipos. O ato sexual abusivo, quando a vítima é uma criança, é considerado ainda mais grave pelo fato de ela estar em uma fase importante do seu desenvolvimento. Esta é uma fase onde muitas transformações acontecem num período de tempo relativamente curto. Um evento tão violento como o estupro pode interferir direta e prejudicialmente no desenvolvimento do indivíduo. Estão sujeitas a inúmeras sequelas, tanto na esfera física quanto na psicológica, podendo ocorrer lesões internas ou externas na criança ou no adolescente, trazendo sérias repercussões na sua capacidade de se relacionar afetivamente no decorrer de seu desenvolvimento. Alterações na área afetiva: depressão infantil, angústia, sentimento desculpa, rigidez e inflexibilidade diante das situações cotidianas, insegurança, medos e fobias, choro compulsivo sem motivo aparente. Alterações na área interpessoal: dificuldade em confiar no outro, dificuldade em fazer amizades, dificuldade em estabelecer relações, principalmente com pessoas mais velhas, apego excessivo a figura “acusadora”. Alterações na área da sexualidade: não querer mostrar seu corpo, recusar tomar banho com colegas, recusa anormal a exames médicos e ginecológicos, vergonha em trocar de roupa na frente de outras pessoas. Em suma, causam múltiplas consequências que deixam profundas marcas a curto ou a longo prazo.
Este texto partiu do estudo feito para a construção de um artigo sobre o tema e o interesse pelo mesmo encontra substrato nas crescentes discussões, visto que essa problematização tem saído da obscuridade, chamando cada vez mais atenção dos profissionais, de grupos e da sociedade civil e que o abuso sexual infantil, quiçá de todas as violências, seja a pior. Pois através dele, extrai-se o que há de mais admirável no mundo: a inocência de uma criança, que depois desse ato bárbaro, jamais será mesma, pois continuamente terá a vida marcada pela violência.
P.S: Poderia escrever muito mais devido a complexidade e amplitude do tema mas não pretendo tornar a leitura cansativa e ademais pretendo retornar em algum outro post a discussão, então até breve.
